Proteção de crianças e adolescentes na Internet exige 'corresponsabilidade'

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Crianças e AdolescentesFoto: Pexels

Durante a abertura do 10º Simpósio de Crianças e Adolescentes na Internet, a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli, destacou o "desafio imenso" que envolve a implementação e fiscalização das novas diretrizes previstas pelo ECA Digital. A tarefa exigirá uma 'corresponsabilidade' entre diversos atores na Internet

Neste sentido, o texto da lei de proteção digital de crianças e adolescentes marca apenas o início de uma nova etapa. O desafio agora é materializar as diretrizes e obrigações regulatórias em ações concretas. O CGI.br e o NIC.br colocaram-se à disposição da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para colaborar tecnicamente nesse processo.

Em sua participação no mesmo evento, o presidente da ANPD, Waldemar Ortunho, também destacou o início de uma nova fase na proteção digital da infância no Brasil, marcada pela sanção da Lei nº 15.211/2025, que instituiu o ECA Digital.

O representante da ANPD ressaltou que o novo marco legal "inaugura um sistema de proteção digital inédito", ao estabelecer responsabilidades claras para plataformas, desenvolvedores e produtores de tecnologia. Entre as principais obrigações estão a aferição confiável de idade, a supervisão parental ativa, a proibição da publicidade abusiva e o uso ético dos dados pessoais de menores.

Recém-transformada em agência reguladora, a ANPD assume papel central na implantação e fiscalização do ECA Digital, atuando em conjunto com o Ministério da Justiça, o Ministério da Educação e o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), afirmou.

Para viabilizar a aplicação da nova lei, foi criado um plano de ações prioritárias composto por 25 medidas estruturadas em seis eixos: regulação, fiscalização, capacitação, relações institucionais, comunicação e gestão estratégica.

Nos próximos meses, a agência pretende regulamentar os mecanismos de aferição de idade e supervisão parental, além de definir critérios técnicos para a fiscalização de plataformas digitais e fornecedores de conteúdo voltado ao público infantojuvenil.

Ortunho destacou que proteger crianças e adolescentes na Internet "não significa afastá-los da tecnologia, mas torná-la digna da infância", enfatizando a importância de um ambiente digital ético, seguro e humano.

"O ECA Digital tira a responsabilidade exclusiva dos pais e amplia o compromisso para toda a sociedade (escolas, plataformas, Estado e famílias) na construção de um ecossistema digital mais seguro", afirmou.

Debate amplo

O evento também ressaltou o papel histórico do CGI.br na promoção de debates multissetoriais sobre segurança digital. "Nos dá enorme felicidade perceber como a criação de espaços de debate como este tem gerado inspiração e aporte para políticas públicas", destacou a representante do órgão, Renata Mielli.

O próprio ECA Digital foi citado como resultado direto dessas discussões acumuladas ao longo dos anos.

"A elaboração desse projeto de lei que não foi feita de última hora, muito pelo contrário, passou por um processo de debate. Muitas pessoas olham e falam 'é a Lei Felca' [em referência ao influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca]. É verdade que o Felca, com sua grande reportagem, contribuiu para acelerar o processo de aprovação. Mas esse é um PL que já vem sendo discutido há muito tempo", destacou Renata Mielli.

A coordenadora do CGI.br também trouxe um alerta sobre a dependência de ferramentas pagas das big techs, como o Family Link, que muitas vezes são inacessíveis para a maioria das famílias brasileiras. O apelo é para que soluções nacionais, acessíveis e que preservem a privacidade por padrão sejam fomentadas por meio dessa nova linha de pesquisa e inovação.

"A proteção da infância é responsabilidade de toda a sociedade, mas não podemos depender apenas de ferramentas caras e estrangeiras", ressaltou.

Neste caso, entre as políticas que podem mudar o quadro está a criação de uma linha de financiamento de R$ 100 milhões, lançada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em Brasília. O objetivo é incentivar o desenvolvimento de tecnologias de proteção digital voltadas à infância e adolescência.

Entre as soluções elegíveis estão modelos de inteligência artificial multimodal capazes de detectar imagens, vídeos e textos com exploração sexual infantil; chatbots protetivos, que possam intervir em interações suspeitas em tempo real; ferramentas de controle parental dinâmico, ajustadas ao contexto de uso; e painéis inteligentes para pais e educadores, que gerem relatórios de risco digital.

Cartilha para adolescentes

Durante o 10º Simpósio de Crianças e Adolescentes na Internet também foi lançada a cartilha "Internet com Responsa: Só para adolescentes", que nasceu de um processo de escuta ativa com crianças e adolescentes.

A pesquisa reforça que a proteção online é uma responsabilidade compartilhada. Famílias precisam de apoio e diálogo, escolas devem promover debates sobre cidadania digital e a indústria tecnológica deve ser responsabilizada por designs manipulativos que incentivam o uso excessivo.

A metodologia reuniu jovens de diferentes idades em grupos de discussão e análise crítica, garantindo que o conteúdo refletisse suas experiências reais e seu vocabulário cotidiano.

Em um "grupo de perguntação", os jovens avaliaram versões anteriores da cartilha e não hesitaram em apontar o que consideravam "chato" ou distante de sua realidade. Já os "grupos focais online" aprofundaram temas como redes sociais, privacidade e bem-estar digital.

Padrões de uso e desigualdade digital

O levantamento mostrou diferenças marcantes no uso da Internet por faixa etária. Entre os nove e 11 anos, predomina o primeiro contato com a tecnologia, muitas vezes mediado pelos pais, com foco em jogos offline e vídeos. Já dos 12 aos 17 anos, a imersão é total: redes sociais, compras online, aplicativos de transporte e até plataformas de emprego fazem parte da rotina.

Entre os fenômenos destacados está o das contas secundárias (perfis reservados apenas a amigos próximos, sem o conhecimento da família) e a consciência da desigualdade digital, com jovens reconhecendo que nem todos os colegas têm acesso a celular ou dados móveis, o que limita oportunidades.

Riscos digitais

As conversas revelaram altos níveis de consciência sobre os riscos do ambiente online, mas também vulnerabilidades preocupantes. Um dos principais alertas foi a popularização dos jogos de aposta online, como o "Tigrinho".

Adolescentes relataram casos de colegas de 11 anos com contas falsas para jogar e até venda de CPFs em escolas de Recife para permitir o acesso a plataformas ilegais. 40% dos jovens afirmaram acreditar que não conseguiriam parar de apostar.

A exposição a conteúdo pornográfico e a cooptação para grupos extremistas também apareceram entre as maiores preocupações. Um adolescente relatou ter sido recrutado por um grupo neonazista aos 9 anos, dentro de um jogo online. As tensões entre privacidade e exposição (o desejo de compartilhar versus o medo de críticas e assédio) foram outra constante.

Os impactos na saúde mental chamaram atenção. Muitos jovens disseram sentir necessidade de limites no tempo de tela, relatando episódios de privação de sono e alimentação. A pressão para consumir produtos promovidos por influenciadores reforça um modelo de engajamento baseado no consumo e na comparação.

Inteligência artificial: fascínio e medo

A cartilha mostra que a inteligência artificial já é parte do cotidiano adolescente, usada para traduzir textos, buscar referências e resolver dúvidas escolares. Mas o entusiasmo vem acompanhado de preocupações: medo de perder a capacidade crítica, de ter imagens usadas em deepfakes e de depender excessivamente das ferramentas. Muitos defendem que crianças mais novas não deveriam usar IA.

Especialistas alertam para novas fronteiras de risco, como os brinquedos inteligentes, que podem coletar dados sensíveis, e os companheiros virtuais, cada vez mais populares. Nos EUA, 72% dos adolescentes afirmam ter um "namorado virtual", apontando para dilemas éticos e emocionais inéditos.

O que os jovens precisam?

Longe de apenas apontar problemas, os adolescentes também propuseram soluções práticas para um uso mais saudável da Internet. Entre as principais recomendações estão:

  • definir limites de tempo online;
  • usar aplicativos com modos "Family" ou "Kids";
  • adotar regras dialogadas entre pais e filhos;
  • receber orientação de acordo com a faixa etária;
  • ter espaços seguros para pedir ajuda;
  • realizar mais atividades fora da tela.
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