Crime organizado: o maior desafio do setor

há 5 horas 4
RondôniaCâmera de Segurança flagra momento de ataque de facção criminosa a loja de provedor em Rondônia

Quando conversamos com operadoras de telecomunicações dentro de uma relação de confiança, com a garantia de que nem nomes de empresas, muito menos pessoas serão citadas, os relatos sobre o avanço do crime organizado sobre o setor de telecomunicações são assustadores.

É um processo que vinha acontecendo gradualmente há alguns anos, com vários relatos esporádicos de grandes empresas de celular que tinham suas torres em áreas de favelas sequestradas, operadoras de TV por assinatura que não podiam oferecer serviços em determinadas comunidades e furtos de equipamentos em depósitos. Além disso, sabe-se que redes de cabos de cobre são saqueadas há muitos anos, em um problema que afeta também empresas de energia. Já era um problema sério, mas pontual. O que começou a acontecer esse ano é de outra dimensão, contudo.

Estamos falando de áreas inteiras de grandes capitais brasileiras em que provedores de Internet tradicionais simplesmente deixaram de oferecer serviço. De grandes perímetros urbanos em que nenhuma operadora de 5G vai instalar ou dar manutenção uma ERB por conta do risco. De avisos já protocolados na Anatel que determinados compromissos assumidos no edital de 5G simplesmente não poderão ser cumpridos porque não há segurança operacional para as equipes. O processo administrativo da agência é um risco menor do que enfrentar bandidos armados na porta da loja, ou pagar um "pedágio" de 50% do faturamento.

Um provedor de banda larga de médio porte relata que em algumas capitais reduziu em mais de 500 mil clientes o potencial do mercado, simplesmente porque não pode oferecer o serviço. Outro fala de ter entregue toda a sua estrutura em uma cidade pequena, de 5 mil habitantes, para uma facção criminosa, simplesmente para não ter que oferecer os serviços aos crime. Uma empresa que crescia todos os trimestres em base de usuários de banda larga já estima que parte da estagnação nos últimos meses se deve à atuação das milícias e facções. Também são recorrentes os relatos de empresas que deixaram de lado planos de investir em determinados bairros ou cidades porque o risco é muito grande.

O modus-operandi do crime é mais ou menos comum: funcionários dos provedores são ameaçados, lojas e redes são vandalizadas, o acesso dos funcionários é impedido até que a operadora concorde em "entregar a operação" em determinada região, ou que o provedor pague uma "taxa de segurança". Há relatos de bairros tão loteados por criminosos que são registrados mais de 100 "prestadores de serviço" diferentes.

O assunto já mobiliza as autoridades. Anatel, Ministério da Justiça, Ministério das Comunicações, Ministério Público têm tido conversas e reuniões, mas como tudo o que envolve crime organizado no Brasil, não tem solução simples.

No Evento NEO 2025, que acontece esta semana em Salvador, o assunto foi muito bem discutido, e de maneira bastante aberta, inclusive, mas este noticiário optou por não colocar nomes de nenhuma empresa ou profissionais nas nossas matérias, por questão de segurança. Um executivo conhecido no mercado relatou episódios assustadores, em que em rodas de conversas entre provedores um dizia, abertamente, ter contratado criminosos para tomar operações de concorrentes em bairros vizinhos, ou vandalizar a rede do concorrente. Não demorou para o criminoso contratado cortar o intermediário e ir ele mesmo, diretamente, tomar o negócio de quem se achava esperto. Isso para não falar nos furtos de cabos e equipamentos, que também abasteciam pequenas operadoras no mercado clandestino.

Do pequeno ao grande crime

O promotor Leonardo Otriera, do Ministério Público do DF, lembra acertadamente que o crime começou pequeno, numa "esperteza" competitiva: uma oferta de conteúdo de TV pirata, uma manobra para sonegar um tributo. Mas ele mesmo admite que o crime organizado ganhou outra dimensão ao começar a tomar empresas. As empresas vão mais longe: lembram que muitas deliberadamente optaram por não pagar pelo uso de postes, ou optaram por não entregar dados para a Anatel para ficar fora do radar.

Nos corredores deste e outros eventos, os dedos também apontam para os provedores de rede no atacado. "Não existe contrato de atacado com pessoa física. Quem vende o link sabe quem é o cliente", foi uma das frases ouvidas. Há, sem dúvida, empresas de fachada que atual com roupagem legal, assim como o crime organizado se apropriou de fintechs e empresas de bets para legalizar o dinheiro sujo. Por isso a atuação do poder público precisa ser com inteligência. Só que isso leva tempo.
Mas o setor de telecomunicações tem pelo menos uma vantagem no combate ao crime organizado: a tecnologia pode ser aliada (se deixarmos de lado purismos da Internet, como controle ou monitoramento de tráfego IP).

Se um determinado provedor de um bairro é "tomado" pelo crime, é possível bloquear o tráfego na camada de transmissão, é possível degradar o tráfego até que aquele serviço clandestino se torne imprestável. Modems e ONTs podem ser inabilitados remotamente. É possível  ter um acompanhamento mais granular sobre a distribuição e uso dos IPs entre os diferentes provedores, o que vai requerer a atuação do NIC.Br não apenas como responsável pela distribuição, mas como regulador desse mercado.

Mas e como fazer com a população afetada, que é a maior vítima da criminalidade e não tem opções de buscar outro provedor de serviço, já que em áreas dominadas pelo crime não há concorrência? Hoje estima-se que 20% da população viva sob controle de facções criminosas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São quase 29 milhões de pessoas e estabelecimentos comerciais. É uma enormidade.

Esse é um problema para que o bloqueio simplesmente seja feito na camada de transporte, nos links, ainda que essa pareça ser a melhor solução de curto prazo. Nesse caso, serão necessárias estratégias mais sofisticadas de mitigação dos danos: redirecionamento de tráfego para páginas de denúncia, oferta de serviços 5G e FWA subsidiados para quem está em uma área tomada, ou simplesmente a retomada de territórios com proteção policial permanente.

No campo das telecomunicações, isso precisa estar no item número um das prioridades, sob pena de comprometer a própria oferta de serviços à população e o avanço das políticas públicas. As autoridades setoriais demoraram, mas finalmente entendeu que a informalidade, se não foi a diretamente responsável pelo cenário atual, ao menos facilitou o avanço do crime sobre o setor. Agora é correr atrás do prejuízo e transformar um camelódromo em um ambiente minimamente organizado e legalizado, antes que seja tarde.

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