Antes mesmo da apresentação de uma oferta formal entre as empresas, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) levantou preocupações concorrenciais em torno da possível compra da Desktop pela Claro, sobretudo no que diz respeito à entrada de novos concorrentes e às condições de competição no estado de São Paulo.
Além do mercado de banda larga, a potencial transação também pode afetar os segmentos de telefonia fixa e móvel, de acordo com análise do regulador. A avaliação consta no Relatório de Monitoramento da Competição referente ao terceiro trimestre de 2025, divulgado nesta segunda-feira, 20, pela Superintendência de Competição (SCP) da Anatel.
Em sua análise, a Anatel afirma que "pode haver, sim, preocupações bem substanciais" especificamente sobre o impacto da transação no mercado paulista de banda larga.
A Desktop, vale lembrar, atua no território paulista e conta com uma base de 1,19 milhão de acessos. Já a Claro é líder nacional em banda larga, com 10,47 milhões de assinantes, dos quais 4,52 milhões estão espalhados pelo estado mais populoso do País.
O relatório aponta que o HHI (Índice Herfindahl-Hirschman, indicador usado na medição da concentração de um mercado) em São Paulo passaria dos atuais 0,1789 para 0,222, o que representa uma alta de 24,09%.
"Isso por si só já levantaria preocupações quanto a possíveis efeitos decorrentes de integração horizontal, além de preocupações de outras naturezas, isso porque a situação hipotética apresentada aqui tem características além da integração horizontal, como concentrações diagonais, verticais e até conglomerais", destaca a agência.
Em geral, a Anatel ressalta que a variação do HHI superaria a casa dos 20% "em um número significativo de municípios, em especial aqueles mais populosos".
As cidades mais afetadas, segundo o relatório, são as atualmente classificadas como "competitivas" e "moderadamente competitivas". Dessa forma, na avaliação do regulador, o potencial negócio "pode resultar em um retrocesso nos atuais níveis de competição, menor difusão do serviço e limitação na oferta de fibra óptica para transporte".
Mercado nacional
Em escala menor, a Anatel também indica que, embora a Desktop atue somente no território paulista, a operação pode impactar o cenário nacional de banda larga, uma vez que consistiria na aquisição da sétima maior prestadora de Internet fixa pela líder de mercado.
O relatório aponta que o HHI nacional subiria de 0,0705 para 0,0793, uma alta de 12,48%. O market share da Claro, com a aquisição da Desktop, passaria de 19,7% para 21,9%. Em termos práticos, o mercado ficaria mais concentrado, com a Claro abrindo uma vantagem maior em relação ao segundo colocado, a Vivo.
Telefonia fixa e móvel
Apesar de o grande interesse em torno do negócio ser o serviço de banda larga, a Anatel sinaliza impactos nos segmentos de telefonia fixa e móvel.
No Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), ainda que em decadência, a Claro é líder de mercado com 6,33 milhões de acessos, ao passo que a Desktop conta com pouco mais de 159 mil linhas fixas ativas.
O estudo prospectivo da Anatel indica que, com a operação, o nível de concentração chega a "níveis elevados, em especial nos municípios menos populosos, com menos de 100 mil habitantes". Contudo, na grande maioria das cidades, a variação no HHI fica abaixo de 20%.
Já no Serviço Móvel Pessoal (SMP), a Anatel sugere potenciais impactos concorrenciais, mesmo levando em conta que a Desktop não atua diretamente no mercado (a agência, portanto, desconsidera o MVNO do provedor com a Surf).
Em linhas gerais, o relatório afirma que, nos municípios em que Claro e Desktop são concorrentes na banda larga, o nível de concentração da telefonia móvel é mais alto em comparação aos municípios em que a Claro não compete com o provedor, sobretudo em cidades com até 100 mil habitantes.
No caso, a Anatel alerta que a operação pode impulsionar a estratégia conhecida como "poder de portfólio", por meio da qual uma empresa adota práticas agressivas para conseguir fechar um mercado aos concorrentes, como ao reduzir o preço de um serviço em que deseja ganhar participação, enquanto compensa a perda de receita em outro segmento.
"Os resultados apresentados devem levantar preocupações não desprezíveis quanto a possível agravamento de situações relacionadas a custos de mudança (switching costs) e efeito de aprisionamento (lock-in), que podem dificultar a entrada efetiva de novos agentes, a capacidade de rivalizar das concorrentes presentes no mercado e facilitar a prática de condutas lesivas à concorrência, entre outras que devem ser analisadas em casos concretos", assevera a Anatel, em trecho do relatório.
Negociação
O potencial negócio entre Claro e Desktop foi tornado público no dia 7 deste mês, quando a Desktop confirmou, em comunicado ao mercado, conversas com a operadora em torno de uma processo de M&A. O provedor ressaltou que se trata de uma conversa preliminar, não vinculante, ainda sem recebimento de uma proposta formal.
A Claro, por sua vez, confirmou o interesse pela Desktop na semana passada. Daniel Hajj, CEO da América Móvil (AMX), controladora da operadora brasileira, afirmou que o grupo está "avaliando a Desktop", mas ponderou que "não há um compromisso vinculante até agora".
Analistas de mercado já indicaram que o negócio seria bom para a Claro, que ampliaria a base de banda larga fixa e ganharia competitividade em fibra óptica, e pouco impactaria as finanças da controladora AMX.